Você já percebeu que o Brasil tem o talento raro de reagir ao futuro como se ele fosse um trote de faculdade? A economia muda, o mercado se reinventa, a sociedade gira a roda — e o Estado brasileiro, com sua habitual agilidade paquidérmica, responde com um combo de lentidão, confusão normativa e um suspiro nostálgico pelos tempos em que todo mundo tinha carteira assinada, FGTS e cafezinho às 10h.
Pois bem: o número de autônomos no país ultrapassou os 25 milhões, segundo o IBGE. É um exército informalizado, precarizado e — pasme — inovador, que movimenta bilhões de reais todos os anos sem saber exatamente se pode emitir nota, pagar imposto ou pedir um empréstimo sem parecer que está lavando dinheiro no porão da casa da avó. O Brasil, ao que tudo indica, ainda não entendeu que o autônomo não é um desvio de rota: ele é a nova rota.
O Brasil gosta de CLT como quem gosta de samba: com romantismo e teimosia
Nos gabinetes de Brasília, ser autônomo ainda é visto como um estágio temporário, uma “fase difícil” ou um problema a ser corrigido. A estrutura institucional foi desenhada para um Brasil de 40 anos atrás — o da fábrica, do contracheque e da estabilidade ilusória. Quem trabalha por conta, na cabeça de muito político e burocrata, é porque “não conseguiu um emprego de verdade”.
A ironia? O mundo inteiro está migrando para formas flexíveis de trabalho. Enquanto isso, aqui, o microempreendedor ainda é obrigado a escolher entre pagar o DAS ou pagar o almoço.
A informalidade é o jeitinho elevado à potência econômica
O Estado brasileiro adora um labirinto. Para ser autônomo legalizado, o cidadão precisa preencher formulários que parecem enigmas do Esfinge, esperar um contador decifrar siglas como CNAE, DAS, MEI, ME, EPP, PGDAS-D, e torcer para não escolher a natureza jurídica errada — o que pode custar mais caro do que o próprio lucro do mês.
E quando esse autônomo resolve crescer? Ah, meu amigo. A dor de cabeça começa. Migrar de MEI para ME é um rito de passagem digno de tragédia grega: envolve medo, dúvidas, e uma certeza incômoda de que tudo vai piorar. Porque o país não facilita: ele penaliza. Crescer, no Brasil, é perigoso.
Bancos, crédito e a fábula do risco Brasil versão freelancer
Vamos ao sistema financeiro. O autônomo que chega com seu extrato do PayPal ou com os recibos dos freelas pensa que será bem-vindo ao banco como um cliente moderno. Mas é recebido como um alienígena tentando abrir conta em marte. O gerente pede comprovação de renda, e quando você mostra o que tem, ele franze a testa como se estivesse cheirando um pepino azedo.
Não há política de crédito, não há incentivo, não há sequer uma linguagem que o sistema use para dialogar com essa nova classe. Enquanto isso, os autônomos constroem impérios no Instagram, vendem cursos pelo WhatsApp, transformam consultórios em startups — tudo isso com a bênção de… ninguém.
Os autônomos são o Brasil que deu certo, apesar do Brasil
É aqui que a história ganha tons tragicômicos: apesar de tudo, o autônomo cresce. Reinventa-se. Paga boletos com criatividade e leva a economia nas costas com uma resiliência quase mística. O Estado falha, o sistema bancário atrapalha, a legislação confunde — mas o autônomo entrega.
Ele cria, vende, atende, aprende e tenta, todos os dias, montar um negócio que pague o aluguel e a dignidade.
Se o Brasil fosse um país minimamente atento, estaria tratando essa nova classe com o respeito que ela merece. Criaria mecanismos simples, daria incentivos reais, escutaria quem já está fazendo a roda girar.
Mas o Brasil, você sabe, prefere olhar para trás e perguntar: “Cadê a sua carteira assinada, meu filho?”
Resumo (para quem leu com pressa ou tá ocupado cuidando do próprio negócio):
-
O número de autônomos no Brasil cresce, mas o Estado continua preso a modelos ultrapassados.
-
A legislação é confusa, punitiva e pouco adaptada à nova realidade.
-
A burocracia para crescer como autônomo é desestimulante.
-
O sistema financeiro ainda trata o trabalhador por conta própria como um risco ambulante.
-
Mesmo assim, os autônomos estão puxando a economia com criatividade, esforço e sem nenhum amparo real.
Conclusão
O Brasil não sabe lidar com o crescimento dos autônomos porque ainda acredita que trabalho de verdade é aquele com crachá e ponto eletrônico. Enquanto isso, quem faz o país andar são justamente aqueles que decidiram, por opção ou necessidade, construir o próprio caminho.
E quando esse Brasil acordar — se acordar — talvez descubra que os autônomos não são o problema. São a única solução que ainda funciona. E funciona sem plano de saúde, décimo terceiro ou segurança jurídica. Mas com muita, muita coragem.